5 de mai. de 2016

O prefeito e o “bando de imigrantes”: afirmação infeliz ou conservadorismo à tona?


 (Foto: Reprodução/RBS TV)






O prefeito de Caxias do Sul, RS, Alceu Barbosa Velho, expressou de modo grosseiro seus argumentos em relação às reivindicações de imigrantes haitianos e senegaleses, que demandam políticas públicas específicas de saúde, educação, moradia, entre outros.

Para além da absoluta falta de respeito (sua Excelência referiu-se a “bando de imigrantes”), os argumentos do chefe do Executivo jogam com uma lógica que tende a acirrar a oposição entre a população local e aqueles que chegam de fora em busca de oportunidades. Em declaração ao jornal Pioneiro, publicado on line em 04/05/2016, ele afirmou:

“— Eles têm atendimento gratuito pelo SUS e acesso a tudo que as demais pessoas têm. Não é porque vieram de fora que vamos passar eles na frente de quem está aqui. Se eles querem trabalhar, têm de procurar trabalho. Está ruim para todos.”*

Ninguém em sã consciência discordará da precariedade geral da saúde, da educação e de outros serviços. Rigorosamente, eu só diria ao prefeito que não está ruim “para todos”, mas para a imensa parcela da população que necessita dos serviços públicos. E antes que alguém busque bodes expiatórios em Brasília, lembro que serviços como o SUS são gerenciados localmente (contratação de médicos, por exemplo, e médicos que trabalhem) e têm mostrado deficiências mesmo com os repasses do Governo Federal.

É óbvio que a população que estou chamando de ‘local’ tem urgências no atendimento aos seus direitos básicos.  Entretanto, o discurso do prefeito em tom desrespeitoso, não só oculta a necessidade de uma política pública específica para os imigrantes estrangeiros com dificuldades, como também reforça a visão de que os “de fora” (e não somos todos “de fora”?) são os concorrentes da população local. Assim se estabelece e se fortalece a discriminação cotidiana.

É uma visão que no mundo do trabalho se traduz no famigerado argumento de que os imigrantes ocupariam vagas pertencentes aos “locais”, argumento digno de Donald Trump, pois exime as elites econômicas e culpabiliza o estrangeiro, esse outro desconhecido. É assim em todos os lugares do mundo para onde convergem trabalhadores imigrantes: a direita conservadora não é original.

O mundo pertence ao mundo, não aos limites territoriais tão estreitos quanto a visão de mundo dos xenófobos. Os imigrantes têm suas demandas específicas assim como cada grupo social. Os primeiros imigrantes oriundos da Europa no século XIX tinham suas necessidades específicas, assim como as tinham os afrodescendentes recém-libertos do escravismo.

Em tempos nos quais as atenções estão voltadas para o cenário político, afirmações como as do prefeito Alceu aparecem como incidentais, mas é preciso estar atento ao fato de que elas apontam igualmente para uma urgência estrutural. Temos que agir em diferentes frentes simultaneamente: o caldo de cultura conservadora é um só. Acreditem.

Um comentário:

  1. Rafael, obrigada pelas colocações sempre lúcidas e pertinentes nesses momentos difíceis e complicados que estamos vivendo.

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