18 de abr. de 2016

O dia amanheceu e está tudo bem, está tudo em paz


O dia amanheceu e está tudo bem, está tudo em paz.
Ontem à noite o Brasil passou na TV,
mas foi há muito tempo, porque hoje tudo está em paz.

O torturador de hoje homenageou o torturador de ontem,
mas isso foi há muito tempo ontem à noite.

Usurpadores de terras indígenas, quilombolas,
terras dos sem terra,
passaram na TV ontem à noite,
noite longa que esvaiu-se com o dia
amanhecido em paz.

Mulheres e homens negros,
pálidos,
voltaram as costas a
mulheres e homens negros
em nome de um deus dos flagelos.

Ontem à noite
o gozo perverso dos grandes ódios
do cotidiano
alimentou com suas migalhas
a alma das “pessoas de bem”,
por isso o dia amanheceu em paz.

Ontem à noite o filho abraçou o pai e cantou em seu ouvido:
“Get up, stand up, stand up, don’t give up the fight”.
Obrigado, filho, mas era só um sonho ruim, pois hoje,
hoje tudo está em paz.

A menina Claridade
descobriu o Mal assistindo o Brasil na TV,
e parecia remoer dores de gerações de antes
do Brasil ser o mesmo, tudo em paz.

a Namorada,
“amada, mas amada pra valer”,
despertou entre a indignação e a tristeza
da manhã que, ao final, amanheceu em paz.

Ontem à noite amigos queridos
dividiram o momento de uma esperança
que se esvaiu no interior da penumbra.

E o dia, já se sabe,
              já contei,
              amanheceu em paz ... como um jazigo.

Anacrônico, alguém começou o dia
ouvindo velhas canções de protesto,
lembrando que de dentro da paz
é imperativo que se erga
um vulcão, mil vulcões,
muitas mãos.

Que das fissuras da paz farsante
irrompa a inquietude intransigente das utopias.


Rafael

Lênin sim!

(Rafa) Tatiana Dias e Rafael Moro Martins, autores do artigo " ELOGIAR DITADORES É A MELHOR MANEIRA DE A ESQUERDA CONTINUAR ...