22 de jan. de 2020

Lênin sim!

Resultado de imagem para lenin"


(Rafa)

Tatiana Dias e Rafael Moro Martins, autores do artigo "ELOGIAR DITADORES É A MELHOR MANEIRA DE A ESQUERDA CONTINUAR PERDENDO" (The Intercept Brasil’)talvez não saibam talvez não se recordem, mas a tese na qual seu texto desemboca, qual seja, a da necessidade de pensar e agir pragmaticamente através de uma coalizão antiautoritária, leia-se “alianças”, tem sido tema de debates acirrados na história do movimento socialista há mais de um século. 

Lênin participou e escreveu sobre.

O que chama a atenção é o ponto de partida do raciocínio: o fato de pessoas da esquerda brasileira terem postado homenagens a Lênin por ocasião do 96º aniversário de sua morte no dia 21 de janeiro.
Tatiana Dias e Rafael Moro Martins classificam Lênin de “ditador” e desenvolvem um raciocínio tortuoso para dizer o quanto a homenagem ao líder da revolução russa, principalmente da parte de companheiros meus do PSOL, atrapalha aproximações necessárias com outras forças políticas dada a urgência de combate ao autoritarismo.
As tais aproximações, as "alianças", constituem tema interessante na esquerda brasileira: exigências de "urgências históricas" somadas ao realismo político pragmático desembocaram em desastres sucessivos na história da república. Vladimir Safatle tem excelentes análises sobre isso.
A primeira sugestão que posso fazer à Tatiana e ao Rafael é que LEIAM LÊNIN e também a história da revolução russa (pode ser a de Trotsky). Talvez se surpreendam com as análises estratégicas e orientações táticas do bom e velho camarada Vladimir, inclusive com relação a alianças e coalizões.
A segunda sugestão me ocorre depois de ler o excelente artigo de Liam O’Ceallaigh, traduzido no Portal Geledés: “Quando você mata dez milhões de africanos, você não é chamado de “Hitler”, analisando as atrocidades cometidas sob o reinado de Leopoldo II da Bélgica.
O que uma coisa tem a ver com a outra?
Simples. O artigo de O’Ceallaigh nos revela a naturalização da imagem de um geno-etnocída (cujas atrocidades fariam Hitler ficar com inveja). Pensem! Pensem em como naturalizada e desiologizada sobrevive impune nos mastros a bandeia do U.K, maior império etnocida do século XIX e início do XX (com sua monarquia socialite anacrônica), assim como a foto do mítico presidente que elevou as tropas norte-americanas no Vietnã de uma centena para 16.000 nos anos 1960.
Ora, não me venham falar de Lênin! O que Lênin fez, e fez muito, é uma coisa; o que fizeram de sua imagem depois de sua morte (imagem que vocês compraram) é debate em aberto. Alianças à esquerda passam pelos debates, não por concessões banais.

12 de fev. de 2019

De Daíra a Belchior: uma ponte entre dois tempos do mesmo Brasil.

Fotos de capa e divulgação: Carolina Muait




por Rafael José dos Santos.

















                Começou assim, numa conversa pelo whatsapp alguém me enviou a canção “Princesa do meu lugar”, de Belchior, versão reinventada por Daíra. Descobri, então, a moça cantora de Niterói. Um link leva ao outro e cheguei ao seu álbum “Amar e mudar as coisas”, Daíra cantando Belchior. A frase título é retirada de uma estrofe de Alucinação, uma das canções-poema em que o poeta cearense se revela um cronista da vida. O olhar do moço migrante de Sobral se lança ao cotidiano, às pessoas e cenas urbanas comuns, convertendo tudo em imagens fortes, impactantes, como na referência aos “humilhados do parque com os seus jornais”.
        Belchior é denso, densidade intensa, apaixonada. Sua poesia é repleta de referências intertextuais: de Poe a João Cabral, de Caetano a Dylan e, sobretudo, aos Beatles. Em suas crônicas poéticas de rapaz “vindo do interior”, vê a cidade com um olhar que destoa do divino maravilhoso tropicalista: “Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua”, avisa Belchior em Fotografia3 x 4. Alguns afirmam que Belchior não entendeu a referência de Caetano ao Sol, será? Jogo de palavras, poesia não é tratado acadêmico (aliás, a arte é muito mais eloquente e interessante). Belchior foi, entre outras coisas, um cantador do desencanto, um des-en-cantador , poeta de uma aridez lírica, provocativa e apaixonada.
Nada disso, contudo, é novidade, há muita coisa melhor e mais bem escrita sobre a poesia de Belchior. (Também não é adesão a lados em querelas da MPB: para registro, adoro o Tropicalismo).  Este prólogo, na verdade, é para começar, só começar, a falar da reinvenção de Belchior por Daíra. Reinvenção é mais do que interpretação e não tem nada a ver com o detestável termo ‘cover’.
Daíra cria uma ponte entre o que Belchior tinha a dizer dos 1970 e o que teria, muito provavelmente, a dizer sobre o momento atual. O Brasil de hoje assiste a uma espécie de retorno do recalcado e muitas das mazelas e angústias cantadas por Belchior ganham uma atualidade perversa. As “coisas do porão” ressurgem, algumas com nova roupagem, outras com a mesma velha roupa cinza. Versos compostos nos anos setenta poderiam ser de antes de ontem:

“Nesta terra de doutores, magníficos reitores, leva-se a sério a comédia!
A musa-pomba do Espírito Santo - e não o bem comum! - Inspira o bispo e o Governante.
Velhos católicos, políticos jovens, senhoras de idade média,
- sem pecado abaixo do Equador - fazem falta e inveja ao inferno de Dante.”

Alguns personagens mudaram, ou melhor, alguns papéis são representados por novos atores e atrizes, absolutamente conforme a ideia de repetição histórica, tragédia e farsa. No Brasil de hoje, uma farsa trágica com alguma comédia sem graça levada a sério.  Os “cidadãos respeitáveis, donos de nossas vidas, pais e patrões do país”, como cantou Belchior nos anos 1970, mostram-se ainda mais patriarcais e patronais, e são mimetizados por camadas sociais nas quais famílias moralistas ainda deixam seus conflitos aflorarem na “hora do almoço”. (provavelmente depois do “culto” soi-disant neo-pentecostal).
O cotidiano não escapa imune. Aliás, se falarmos das ruas das grandes cidades onde circulam “pessoas cinzas normais” (sempre Belchior), aumentou o desamparo e a angústia. Há cada vez mais humilhados no parque, e rapazes delicados e alegres que “cantam e requebram” são perseguidos e assassinados. Medo, medo, medo, medo. Temos medo.
Daíra é moça nova, de uma geração que se espanta tal como se espantava Belchior. A cantora reinventa a crônica do “rapaz latino-americano”. Caso ela fosse jornalista, eu diria que ela expõe sua versão dos fatos e está atenta ao que rola ao seu redor, atenta como era Belchior. Ela varia em suas performances, ora doce e brejeira, como em “Princesa do meu lugar” ou bucólica  cantando single com seu violão à beira de um rio; ora provocativa e cortante em “Como o diabo gosta” e na já citada “Jornal blues, ou Canção Leve de Escárnio e Maldizer” (confesso: uma de minhas preferidas, meus dois ou três leitores conhecem minha paixão pelo blues).
As muitas vozes de Daíra, doce, forte, irônica, suave, são bastante diferentes da voz dura e cortante de Belchior. A arte de Daíra é também coletiva: arranjos, o trabalho minucioso e quase artesanal dos músicos, tudo junto nos mostra “que o novo sempre vem”, embora Belchior nunca tenha envelhecido.  
Mas Daíra é, para além de tudo, amor, muito amor. O mesmo amor que Belchior deixava vazar por entre as palavras cortantes, amor pelas pessoas, todas. Vejam aqui o clipe oficial de “Princesado meu lugar” e decifrem as sutilezas da amorosidade de Daíra. As coisas andam difíceis, é preciso muda-las, isso interessa mais. Muito mais.

(Rafa)

Importante!
Daíra e sua turma maravilhosa estão em plena reta final de uma campanha. Vamos fazer o Brasil ficar mais bonito, ainda mais sonoro: colaborem aqui: https://benfeitoria.com/DairavaiViajar?fbclid=IwAR3FhaZl63ylGkXQjSnIbCE27HosAK0Cz3T_YraYlmXZv08pF0GKJ98PyOQ
#DaíracantaBelchior #TURNÊBRASIL 

10 de jan. de 2019

Vocês disseram "esquerda"?

http://despertardominicano.com/cria-cuervos-y-te-sacaran-los-ojos/


 Cría cuervos que te sacarán los ojos















Rafael José dos Santos

As notícias que chegam de além Facebook Timeline é que um partido considerado “de esquerda” avaliou como inviável o apoio a Rodrigo Maia (DEM) porque seu nome obteve a adesão do PSL, partido do presidente da...da...república? Certo, apoiar Maia ficou inviável, não por seu papel no golpe de 2016, não pela história política do DEM (ex-PFL, ex-preencham-as-lacunas), mas porque ele obteve apoio do partido bolson-ariano. Uma possibilidade levantada pela presidência deste partido seria um acordo com o PMDB (sim, com “P” na frente), sim, o de Temer e de outros.

O critério demonstra que o nome de Maia seria, até então, uma opção. Nenhuma novidade, já aconteceu antes ... e foi depois do golpe. (Registre-se que alguns parlamentares desse partido não votaram em Maia).

Chega agora outra notícia, espero que seja falsa: outro partido “de esquerda” avalia a possibilidade de apoiar Maia que, para lembrar, tem o apoio do PSL. Sim, o partido “de esquerda” estaria ponderando a possibilidade de votar com o partido de Bolsonaro para eleger Maia. No cumprimento das tarefas revolucionárias, ombrear com a Direita! Nada de novo em um país que se esquece sistematicamente que Vargas foi um ditador. (Registre-se que uma deputada desse partido não votou em Maia da primeira vez).

A candidatura de Marcelo Freixo (PSOL), de acordo com a presidência deste outro partido, seria um “caminho que nos isola” (Google it, people!).

Ah, amo os significantes: “isola”, mas isola do quê? De quem?

Ambos os partidos “de esquerda” têm militantes e simpatizantes que conquistaram meu respeito ao longo dos anos, mas parte significativa das lideranças, confirmadas as notícias, não estariam a altura daquel@s que as apoiaram.

Sabemos quais são os pressupostos. Um deles, o velho “realismo político”, aposta nas alianças com deus e o diabo como forma de fazer frente às várias votações que o Congresso enfrentará neste e nos próximos anos. Confia-se, portanto, que no frigir dos ovos PMDB (com "P" mesmo), DEM e PSL estariam unânimes contra os "retrocessos". É isso? Ah, tem os cargos da Mesa Diretora também.

Qualquer outra estratégia é infantil, esquerdista e irresponsável, como se já não tivéssemos vários exemplos históricos, alguns recentes, outros nem tanto, de desastres decorrentes deste tipo de aliança.

O que me chama a atenção é que no caso dos dois partidos não se trata de uma prática inédita. Trata-se de um dos desdobramentos da ênfase no âmbito da política institucional, no caso, parlamentar (notem, eu escrevi “ênfase”) e da negação da construção de uma alternativa de luta na qual os mandatos sejam ecos e suportes dos movimentos de base, não o abrigo do caciquismo gauche.

A candidatura de Freixo “isola”, isso é bom sinal, sinal de que as pautas por ele representadas não cabem nas agendas do PSL, do PMDB (com “P” mesmo) ou do DEM.

Ficariam isolados, então, se buscassem outra saída? Sim, mas já estão isolados há tempos, não no mesmo sentido usado acima em relação a Freixo: estão isolados das lutas cotidianas no campo e na cidade, restringindo-se, em alguns casos, à prática do “aparelhismo” e/ou do apoio cada vez mais formal e midiático aos movimentos sociais e suas potencialidades em termos de transformações radicais na sociedade, transformações freadas pela “articulação entre horizonte reformista social-democrata e modelo de integração populista” apontadas por Vladimir Safatle em seu doloroso, mas certeiro, Só mais um esforço (São Paulo: Três Estrelas, 2017, p. 18).  

Para esta “esquerda”, buscar outra saída implicaria repensar radicalmente seus programas, suas metas, estratégias e táticas, algo que, ao que tudo indica, não será feito. Insistir-se-á nas velhas práticas, tentando obliterar contradições sob o manto das alianças mais que espúrias. Contradições devem ser superadas – superação no sentido dialético -, não apagadas ou relevadas, caso contrário nossa história seguirá sendo assombrada por espectros, de novo lembrando Safatle.

5 de jan. de 2019

CORPOS SUBMISSOS E PRECARIZAÇÃO DA VIDA


(ou porque as diferentes “falas” na Nova Ordem formam um só discurso – Parte I)

Rafael, 05/01/2019

Manifestantes em protesto no RJ, 2013 - Foto: Isabela Marinho / Portal G1


O exercício militar de “ordem unida” é uma das metáforas mais eloquentes da submissão dos corpos, assim como as antigas aulas de Educação Física, como as que eu tive no ciclo dos antigos primário, ginásio e colegial. Corpos uniformizados, movimentos sincronizados, marciais, obedientes a uma “voz de comando”.

Um vídeo do IPHAN sobre a Cachoeira Iauaretê traz uma sequencia de imagens significativas: missionários salesianos ministrando exercícios de ginástica, “polichinelos” para ser mais exato, a um grupo imenso de crianças indígenas, todas alinhadas em fileiras e usando uniforme branco, isso lá pelo final dos anos 1920. A Ordem exige que os corpos sejam uniformes, pois deixados livres trazem sempre a ameaça da subversão e da indecência indisciplinada.

As corporeidades construídas socialmente, conversões da natureza em cultura, devem, sobretudo, submeter-se à vontade do Outro. Não é permitido “fazer corpo mole”, nem “tirar o corpo fora”. Sempre bom relembrar Michel Foucault: “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos 'dóceis'. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”.[1]

“Mente sã em corpo são”, armadilha retórica: sobriedade e postura para obedecer e movimentar-se conforme as regras e o tempo da utilidade e da produtividade. Engano pensar que a etapa da “acumulação flexível” dispensou a corporeidade e a temporalidade fordista no chão de fábrica, na construção civil, nos chamados serviços gerais, nos escritórios, no trabalho, enfim, há sempre a “verdade fisiológica” da qual fala Marx n’ O Capital, o trabalho como “essencialmente dispêndio de cérebro, nervos, músculos, sentidos etc. humanos”[2].

É necessário interpretar expressões como “trabalhar o corpo” (to work out): modelar, modelo, padrão, ou a terrível “no pain, no gain”, é imperativo submeter o corpo ao sofrimento, ao dispêndio incessante, inclusive no chamado tempo livre, lembrando Adorno, tempo extensão do trabalho, para a maioria é o pouco tempo que resta entre o ir-e-vir, o alimentar-se e a noite de sono, tudo pago pelo próprio corpo. Para outros, tempo de consumir tempo, ocupar-se de dispositivos que, cada vez mais, exigem o mesmo dispêndio do trabalho.

Na política, aquela que não se restringe à delegação da representação, quando vamos às ruas, são nossos corpos que levamos. Judith Butler, muito acertadamente, afirma:

“[...] quero sugerir que quando os corpos se juntam na rua, na praça ou em outras formas de espaço público (incluindo os virtuais), eles estão exercitando um direito plural e performativo de aparecer, um direito que afirma e instaura o corpo no meio do campo político e que, em sua função expressiva e significativa, transmite uma exigência corpórea por um conjunto mais suportável de condições econômicas, sociais e política, não mais afetadas pelas formas induzidas de condição precária”[3].

As vozes que levamos às ruas são também corpóreas. Penso aqui na ideia de “vocalidade” de Paul Zumthor[4], A Voz projeta o corpóreo no espaço. No caso das ruas, no espaço público. Corpos e vozes performativos, mas, sobretudo indóceis, desobedientes à Ordem. Corpos de todas as formas e cores que demandam muito mais que o fazerem-se presentes e visíveis com suas diferenças, corpos des-ordeiros que afirmam uma negação, corpos que re-existem.

Estas são algumas das razões da criminalização dos corpos, da exigência de suas uniformizações: é sobre nossos corpos que se inscreve a Lei. Corpos devem ser definidos pela lógica dual da Ordem, tudo que fuja ao azul ou rosa deve ser punido. Corpos são torturados para silenciar-se, não para falar. Para fazer calar uma voz, no limite, cala-se o corpo, assim fizeram com Marielle e centenas de outros corpos conhecidos ou anônimos.  



[1] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 27ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 164 – 165.
[2] MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. V. I, Livro 1. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996. p. 197 – 198.

[3] BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 17.

[4] Consultar ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.




4 de jan. de 2019

NOTAS DESINTERESSADAS E APARENTEMENTE CONTRADITÓRIAS SOBRE CORES



Rafael, janeiro/2019

















Gosto muito de vestir azul, principalmente azul escuro, blue-jeans. Gosto tanto quanto de blues, que tem as blue notes como no jazz, na voz de Billie Holliday (“Am I blue?”). Azul escuro é a cor de meu Orixá no Candomblé, Ogum, mas há muitas casas que adotam o verde, que por sinal é a cor de meu Guarani F.C, de Campinas/SP.

Não gosto de usar vermelho, nem compraria um carro vermelho. Na verdade tive um fusca vermelho, mas foi presente de meu pai. Pedi um Chevette zero e ganhei um fusca usado... e vermelho. 

Ideologicamente sou um “vermelho”, embora membros de alguns partidos só reconheçam seus camaradas como “vermelhos”. Tenho uma quedinha por uma Rosa que era chamada de “Rosa, A Vermelha”, e por um cara que comandou um exército Vermelho como Rosa.

O símbolo do meu partido é um sol vermelho, muito simpático por sinal, e a sigla também está em vermelho, mas a bandeira é amarela, que também é a cor de meu segundo Orixá no Candomblé: Oxum, amarelo ouro.

De roupas e acessórios rosa confesso que não gosto para mim, escolha que certamente foi construída socialmente (de resto, como qualquer gosto), fica bem em outras pessoas, como as meias rosa de Michel Maffesoli e sua charmosíssimas gravatas borboletas, mas não sou um admirador tout court das ideias dele.

As cores do Arco-Íris são lindas e sua transformação em símbolo foi uma das ideias mais geniais que já vi. Tenho amigxs, camaradas, irmãs e irmãos “de santo” de todas as cores e amo todxs, é bom amar, não é? 

Ah, gosto de cinza, mas não de dias cinzentos como está agora, exatos 15h05 do dia 4/1/2019 que é uma sexta-feira, no candomblé dia de Oxalá, o senhor do Pano Branco, com quem tenho um segredo que, óbvio, sendo segredo não conto. Posso contar outra coisa: que para começar qualquer começo, atravessar caminhos, portas e portões, para tudo isso tenho que reverenciar o vermelho-e-preto, se não nada é feito ou desfeito.

Restam as goiabas que, como vocês sabem, nascem das goiabeiras. Como sempre fui muito urbano, não conheço a variedade de tipos de goiabas e goiabeiras, não tenho muito a dizer sobre elas e suas cores, nem sobre pessoas ensandecidas que sobem nelas e falam bobagens sobre cores. Sei que as folhas são de Ossain, verdes, e se estão no meio da mata são domínio de Oxóssi, azul claro, meu terceiro Orixá.

Do azul escuro ao claro, é tudo que sei sobre cores, ou pelo menos é o que posso dizer. Sobre Socialismo (uma etapa! uma etapa!) e fé nos Orixás, sobre isso escrevo depois.

31 de out. de 2018

Sobre Candelárias e Roraimas *

Publicado 25 anos atras.






“Ou então cada paisano e cada capataz
por sua burrice fará jorrar sangue demais
nos pantanais, nas cidades, caatingas
e nos Gerais?”

Caetano Veloso (Podres Poderes)




                Capatazes e paisanos, campo e cidade, personagens de John Wayne e Charles Bronson marcaram encontro no coração do Brasil, algum ponto entre a Igreja da Candelária e a fronteira com a Venezuela. O cowboy, eternizado nas telas como intrépido matador de índios, troca um aperto de mão com o justiceiro de rua da (infindável) série “Desejo de Matar”. Os personagens cumprem sua missão: eliminar a incômoda presença de Yanomâmis e “meninos de rua”; os primeiros representam o anacronismo e o entrave de uma Gloriosa Marcha para o Norte, enquanto os últimos impregnam as ruas manchando um ideal de assepsia urbana.

          As vítimas das duas chacinas compartilham a característica de se constituírem em alteridades insuportáveis de uma sociedade que mal consegue disfarçar, sob o manto de uma consternação simulada, seu ódio por tudo que não seja sua própria imagem. O ódio ao outro, em todas as suas variantes discriminatórias, encontra-se atuante em nossa cultura e fornece terreno fértil para uma cumplicidade velada.

          Entretanto, se o horror às diferenças é generalizado na sociedade, os interesses subjacentes às iniciativas assassinas restringem-se a classes e setores claros e definidos, e estes últimos contam a seu favor com mecanismos sutis e eficazes para esterilizar qualquer iniciativa radical que reivindique transformações estruturais no lugar de paliativas apurações de fatos.

          Um desses mecanismos serve-se mesmo da própria ideia de denúncia dos fatos. Nos jornais televisivos a indignação encontra sua canalização e seu aplacamento; apresentadores emocionados transformam a literalidade cruel em virtualidade espetacular e a realidade trágica converte-se em simulacro, oferecendo ao telespectador a oportunidade de viver sua cota de consternação pasteurizada. O telejornal proporciona a ilusão de participação ao mesmo tempo que exorciza os elementos de concretude, uma operação higiênica de re-semantização que Jean Baudrillard expressou de modo brilhante: “Vivemos desta maneira ao abrigo dos signos e na recusa do real”.

          Além disso, o destino das tragédias é transformar-se em mais um fait-divers no interior de um fluxo intenso e extenso: “autoridades” dão início às “apurações de fatos” e o desenrolar dos acontecimentos confunde-se, em questão de dias ou semanas, com a trama da novela das oito, até que todas as histórias pereçam por sua volatilidade.

          É evidente que estamos frente a mecanismos inerentes à estrutura das comunicações de massa, não se tratando portanto de nenhuma estratégia intencional de acobertamento de interesses. Não há dúvida porém que existem aqueles que se beneficiam dessa perversão dos signos.

          No capítulo da realidade, Yanomâmis, “meninos de rua”, presos da Casa de Detenção, assim como lideranças sindicais do campo frequentemente vítimas de atentados, todos nos revelam incessantemente o caráter contraditório de nosso momento histórico. Não estamos frente a manifestações patológicas de uma sociedade doente, tão pouco estamos em descompasso com algum ideal de modernidade: os chamados “incidentes” são, na verdade, desdobramentos visíveis de uma estrutura, e pouco ou nada possuem de incidental, como fazem pensar até mesmo alguns indignados de boa fé. Chacinas, genocídios e assassinatos não são corpos estranhos à nossa modernidade: são traços de sua realização em nosso capitalismo periférico.

          Voltando à indignação, não me consta que John Wayne ou Charles Bronson tenham sido reprovados por suas plateias; ao contrário, temáticas como a da expansão para o West – mesmo às custas de nações indígenas inteiras -, ou como a da chacina justiceira das ruas – via de regra executando bandidos negros ou hispânicos – encontram elementos de empatia permanente no grande público. Nos dois temas recorre o Desejo de Matar o Outro. A diferença, seja ela regional, étnica ou de classe, parece constituir-se em algo insuportável.

         Elementos de um imaginário coletivo encontram-se, deste modo, indissociados de uma estrutura econômica. Ambos complementam-se de modo constitutivo formando um quadro refratário, mas não inacessível, aos esforços de interpretação crítica. Nesse quadro figuram novas e reformuladas modalidades de um processo que não se alterou em seu âmago: o capitalismo e suas tramas ideológicas, desejem ou não os apologistas do neoliberalismo.

* Publicado no Jornal da Cidade de Rio Claro (SP), Terça-feira, 31 de Agosto de 1993.

14 de out. de 2018

SÃO OSCAR ROMERO, ROGAI POR NÓS.



A canonização do bispo salvadorenho Dom Romero me emocionou, pois lembro que chorei seu assassinato em 1980. Naquele ano eu já havia deixado a prática católica, mas admirava aquela figura corajosa, assim como admirava Ernesto Cardenal e Leonardo Boff pela radicalidade de suas posições na luta por justiça e igualdade. 

A emoção com certeza é fruto também de marcas do cristianismo que ficaram em mim, pois somos feitos pela nossa história, as palavras de nossas biografias não se apagam por completo. Nunca.

Meu primário foi em colégio salesiano, mas desde muito cedo, criança mesmo, minha formação religiosa se deu no convívio com padres estigmatinos (da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo), na Igreja de São Benedito em Campinas, SP. Aos 13 anos ingressei na Comunidade de Jovens, fiz cursinho T.L.C (Treinamento de Liderança Cristã), aprendi a cultivar a espiritualidade.

Alguns de nós chegamos também a flertar com o nascente movimento da Renovação Carismática que foi levada a Campinas por jesuítas como Haroldo Rahn e Eduardo Dougherty (que aportuguesaram seus primeiros nomes). Hoje entendo o sentido daquele movimento como reação à Teologia da Libertação, mas ficou algo dele também como marca, penso que certo sentido do ato de “orar”.

Houve uma época, lembro-me bem, que nós, jovens, assistimos ao filme “Irmão Sol, irmã Lua”, história de Francisco de Assis, e fomos arrebatados pela visão de mundo e pela mística franciscana.  De todas as marcas, esta foi a que ficou mais impregnada em mim. Lembro-me que seis anos após meu afastamento do catolicismo conheci a obra de Leonardo Boff e cheguei a me envolver tanto em sua leitura que escrevi uma carta a ele. A resposta, ainda em tempos de correspondência manuscrita, me chegou. Infelizmente perdeu-se com outros papéis. O tema? O assunto? Vocação!

Como tive muitas “vocações”, muitos chamados, aquele fervor franciscano não se transformou em opção de vida e outras formas de espiritualidade tomaram seu lugar, mas ah...sim, deixou marcas.

Em tempos difíceis para o Brasil, com a ameaça às liberdades, com o ódio sendo esbravejado e materializado em assassinatos e agressões, eu, enfrentando certo abatimento, permito que as marcas de Francisco de Assis aflorem, revivam em meu espírito. Inclino-me em prece ao novo santo e peço a ele que interceda por nós.

Contradição? E quem não traz em sua biografia marcas contraditórias e ambíguas?

Pax et bonum!

Lênin sim!

(Rafa) Tatiana Dias e Rafael Moro Martins, autores do artigo " ELOGIAR DITADORES É A MELHOR MANEIRA DE A ESQUERDA CONTINUAR ...